domingo, 5 de julho de 2009


Rio - "Programa Flávio Calvacanti. 1 fita. Gravado em 07-02-80. Não pode ir ao ar". "Brasil x Alemanha. 2 tempo". "Gonzaguinha especial". As etiquetas com identificações incompletas, que pouco informam e muito instigam, estão em algumas das 536 fitas com programas da TV Tupi encontradas por acaso, entre cadeiras e mesas velhas, no nono andar do prédio dos Diários Associados (proprietários da TV), na Rua do Livramento, no Rio. Parte deste patrimônio está prestes a ser recuperada. A Rede Globo e o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, instituição para a qual o material foi doado, firmaram acordo para recuperar seu conteúdo. São reportagens, talk-shows, musicais e programas esportivos exibidos nos anos 60 e 70 e em 1980, ano da cassação da concessão daTupi.
- É um verdadeiro tesouro, já que quase tudo o que a televisão brasileira mostrou nos anos 50, 60 e 70 desapareceu - deslumbra-se o historiador Clóvis Molinari, coordenador de Documentos Audiviosuais e Cartográficos do Arquivo Nacional. - Como o material está em mau estado, se conseguirmos recuperar 10% ou 15% dele, já vai ser um milagre.
" Achei uns rolinhos de filme no chão, fiquei curioso, porque tinha sido técnico de cinema "
Junto, com as fitas, quase todas em formato quadruplex (de duas polegadas), havia cerca de 1.500 rolos de filmes 16mm - usados, nos primórdios da TV, para as reportagens de rua, já que as câmeras das emissoras eram grandes e pesadas demais. O responsável pelo achado, há dois anos, foi o gerente técnico da Rádio Tupi, José Cláudio Barbedo, que depois ajudou a viabilizar a doação formal do material ao Arquivo Nacional, feita pelos Diários Associados.
- Achei uns rolinhos de filme no chão, fiquei curioso, porque tinha sido técnico de cinema, e vi que era um comercial. Abri outro e era uma reportagem, provavelmente sem som, já que no início da TV não havia videotape: o repórter captava as imagens e depois o locutor do telejornal fazia a narração. Acabei chegando a uma sala com pilhas de fitas da Tupi, a maioria quadruplex, que tinham sido recolhidas no Cassino da Urca (antiga sede da emissora). De cara, vi programas de Flávio Cavalcanti, Aérton Perlingeiro. Vi que aquilo tinha valor histórico e liguei para o Clóvis - conta Barbedo.

No Brasil, só existem hoje duas máquinas capazes de ler fitas quadruplex. Uma delas, pertencente à TV Cultura, está sendo usada num amplo projeto da Cinemateca Brasileira. Restava ao Arquivo Nacional recorrer à TV Globo, dona da outra máquina. Felizmente, o negócio foi fechado. Pelo acordo que será assinado nos próximos dias, a emissora se encarregará de higienizar e digitalizar as fitas - um trabalho que vai custar cerca de R$ 500 mil. Como contrapartida, poderá exibir seu conteúdo por um ano. Depois, ele voltará para o Arquivo Nacional e ficará disponível para consulta pública.
- Dependendo do que tem nas fitas, elas poderão ser aproveitadas em programas como o "Arquivo N" (da Globo News) - diz Maria Alice Fontes, gerente do Centro de Documentação da TV Globo. - É um acervo riquíssimo; a TV Tupi era importantíssima.

Para tentar recuperar os filmes, muitos deles da década de 50, o Arquivo Nacional vai precisar fazer acordo semelhante com um laboratório especializado neste tipo de trabalho. A fim de sensibilizar o público e possíveis patrocinadores, a instituição mostrou trechos de alguns deles, recuperados especialmente para a ocasião, durante uma edição do seu festival de cinema, o Recine. O que se viu dava a dimensão da importância do material: há o presidente Juscelino Kubitschek sendo aplaudido na saída do casamento de uma parente, Ana Kubitschek; os primeiros nordestinos chegando ao Campo de São Cristóvão; Leonel Brizola discursando na Câmara dos Deputados; e as prostitutas da Vila Mimosa fechando janelas ao se verem flagradas pelas câmeras da Tupi.
- Os filmes estão piores que as fitas, por causa da síndrome do vinagre, que é a decomposição da película pela evaporação dos elementos químicos - explica Molinari.
" Vai ser um serviço inestimável à memória do país "
As causas para a quase inexistência de material do começo da TV no Brasil são várias: algumas delas são a natureza do veículo, que no início era ao vivo, os incêndios que vitimaram diferentes emissoras e a falta de noção do valor do conteúdo produzido - o que, após a popularização do videotape, nos anos 60, levava ao reaproveitamento das fitas. O "garimpeiro" que encontrou o material da Tupi comemorou a possibilidade de sua recuperação:
- Vai ser um serviço inestimável à memória do país - festeja

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